Antonio, um velho caminhoneiro, percorria o Brasil de norte a sul, 30 anos de caminhada, já estava cansado. Seu instrumento de trabalho era cuidado com muito esmero, tinha toda manutenção e, pelo menos de três em três anos, fazia a troca por um mais novo.
Cearense, nascido em uma cidade próxima a Juazeiro, pelo menos uma vez por mês, passava em casa, para ver a esposa e os filhos, não lhes deixava nada faltar.
Em suas viagens pelo Brasil afora quando tinha carga para o estado do Maranhão, fazia todo o possível para visitar uns primos que lá moravam . E assim, passando por Imperatriz, foi rever tais parentes, pois, estava agendado em uma transportadora para pegar a carga em três dias.
Com a espera na fila para carregar o caminhão, resolveu visitar um dos parentes. Um dos primos (Bento), conceituado revendedor de automóveis (tinha uma grande revendedora), loja famosa e de muita movimentação. E, foi exatamente na casa desse primo que o velho caminhoneiro se hospedou. Foi uma alegria grande sua chegada, Bento arrumou logo um local para guardar o veículo do primo visitante.
A noite, quando Bento chegou da revendedora, serviu um bom vinho para saber as novidades da parentada. A conversa rolou animada. Durante o bate papo Antonio contou que já estava cansado das viagens, pensava em vender o caminhão e aplicar o dinheiro em algo que lhe permitisse ficar perto da família e viver com dignidade. Pensava em um mercadinho ou uma casa de material de construção. O primo o apoiou e o incentivou a se aposentar das perigosas estradas. Se prontificou a arrumar um comprador para o caminhão e o orientar no que fosse possível.
Antonio ficou muito feliz, pois, já estava com essa vontade e, depois da conversa com o primo decidiu vender o caminhão e sair daquela profissão estressante, já comunicando sua decisão a transportadora.
No dia seguinte já foram atrás dos conhecidos do primo comerciante, principalmente daqueles que negociavam com caminhões. Um comprador gostou do veículo e botou um preço muito atraente e irresistível. Negócio fechado! Só que o pagamento seria feito com uma pequena entrada e o restante em duas pacelas.
O negócio foi fechado por R$ 200 mil reais. R$ 20 mil no ato da compra, R$ 90, com 30 dias, e o restante, ou seja, R$ 90 mil para 60 dias. No dia seguinte Antonio recebeu os R$ 20 mil e os dois cheques, conforme o acerto, passando as chaves do veículo, juntamente com o documento assinado, mas, nas mãos de seu primo, para só fazer a entrega do documento quando o último cheque fosse compensado.
Tudo certo, satisfeito, vida nova a partir de agora para o velho caminhoneiro. O primo levou Antonio de volta para sua casa com a promessa de que a noite tomariam um bom vinho para comemorar o negócio fechado e a futura vida nova.
A noite foram comemorar, a conversa rolou solta, o velho felicíssimo tomou umas taças a mais e, lá para as tantas Bento sugeriu um bom negócio para Antonio: ” primo, como você ainda não viabilizou sua nova atividade, eu sugiro que para o dinheiro não ficar parado faça aplicação”, o que o caminhoneiro concordou e pediu que o ajudasse, pois, nada entendia do mundo financeiro.
Foi aí que Bento propôs ao primo em ficar com os cheques pagando 10% de juros ao mês, até ele encontrar um bom lugar para abrir seu negócio. Antônio concordou, o primo compensaria os cheques, com a garantia de ficar com o dinheiro e repassar 10% ao mês, até resolver em que Antônio ia investir o dinheiro.
No dia seguinte, o caminhoneiro com os 20 mil no bolso, foi embora para seu torrão natal, curtir o resto de sua vida com a esposa e filhos.
Após 30 dias, o primo depositou os juros dos 90 mil; com 60 dias, depositou os juros de 180 mil e, assim foi fazendo os depósitos. Antônio, recebendo os depósitos mensalmente, desinteressou-se por outros investimentos.
No quinto mês, Antonio como de costume esperou o depósito, mas, nada entrou em sua conta. Aguardou uns 5 dias para entrar em contato com o primo, quando conseguiu contato, foi informado pelo primo que o mesmo havia tido um problema, mas, no mês seguinte depositaria o correspondente aos dois meses.
Meio triste, não restou alternativa a Antonio a não ser esperar, contudo, no prazo acertado, Bento depositou a importância pela metade e, a partir daí não mais realizou depósitos. Até o telefone fora desligado. Ao velho caminhoneiro só restou a alternativa de voltar ao Maranhão tentar saber o que estava acontecendo, na esperança de receber seu dinheiro de volta, visto que o caminhão já tinha sido transferido para o comprador.
Ao chegar em Imperatriz, teve dificuldades de se avistar com o primo, e, forçando a barra, conseguiu contato, mas, as notícia não foram nada boas para Antônio, Bento alegou que tinha falido, sua revenda tinha “quebrado” e, o dinheiro tinha usado para pagar dívidas, que ele tivesse paciência que um dia lhe pagaria.
O velho camioneiro argumentou que tudo que tinha, ficara com o primo, porém, o mesmo, em tom de ironia, disse-lhe que “a vida era assim mesmo e no mundo dos negócios tudo poderia acontecer, ganhar ou perder fazia parte do jogo, sabia que devia e um dia pagaria”. O velho Antonio ficou desesperado, sem saber o que fazer e, com a sensação de ter sido roubado.
Voltou para sua casa triste, e, muito preocupado com o futuro de sua família, teve tantos sonhos e de repente, um negócio mal feito, fez tudo desmoronar. Entrou em depressão, não comia, nem dormia direito. Refletiu o que fazer e decidiu que ia resolver a situação de qualquer maneira, o primo lhe pagava ou o matava. Estava velho, nada tinha a perder, desmoralizado não ia ficar. Comprou um revólver e voltou a Imperatriz, para resolver com o primo.
Chegando a loja do primo (desta vez uma pequena revendedora de carros usados), perguntou por ele, um vendedor disse-lhe que ele estava ocupado no escritório. Sem dar explicação ou falar mais nada, Antonio foi ligeiro em direção ao escritório, entrou e começou a cobrar seu dinheiro. O primo disse que não tinha e que procurasse a justiça, começando uma discussão. Cego de raiva o caminhoneiro sacou o revólver e descarregou no primo. Morte instantânea. Os tiros foram no tórax e na cabeça. Antonio foi preso em flagrante.
Processado, Antônio foi a júri popular, sendo condenado há 9 anos de prisão. Em razão da idade a pena caiu pela metade e, em razão de seu estado de saúde, obteve da justiça o benefício da prisão domiciliar.
Hoje está aposentado, vivendo com a esposa, curtindo filhos e netos. O primo perdeu a vida e Antonio o caminhão.
FRANCISCO DE FRANÇA – ADVOGADO