A vida é uma incessante demonstração de surpresas. Quando a pessoa nasce, não entende que aí começa sua passagem pela terra.
Nos idos de 50, conheci uma menina e um menino de nove, dez anos. Ambos de classe média, morando bem, estudando em colégio público por opção dos pais. Naquela época, as escolas do Estado e do Município eram muito boas e o acesso ao curso secundário realizado com um rigoroso exame de admissão.
As escolas particulares funcionavam bem, mas não chegavam perto das públicas. O tempo foi passando e os dois adolescentes terminaram o curso médio. Maceió de então, possuía poucas faculdades e os jovens, muitas vezes saíam para estudar em outras capitais.
O menino, já rapaz, foi para Fortaleza, ingressando no Exército. A menina tornou-se aluna do Instituto de Educação. Reencontraram-se nas baladas da vida, casaram, tiveram quatro filhos e moraram em vários Estados.
Deus foi orientando o jovem casal para que criasse seus filhos com dignidade, formando homens e mulheres de bem. Mas como disse no começo da história, a vida prega surpresas, outras famílias se unem à nossa e novos fatos acontecem.
O velho avô vibrava com a chegada dos netos e procurava passar aos pequeninos sua história de vida. “Não desperdicem comida”, dizia. “Sei o que é passar fome; fui um menino pobre, filho de viúva, que vendia tapioca para ajudar nas despesas de casa”.
Aos sábados, o escritório de contabilidade, na Rua Augusta, era cheio de amigos que dele precisavam. A menina ficava intrigada com a divisão da feira ou de dinheiro. “Eles não trabalham”? Perguntava ela. O velho respondia: “Sim, mas ganham pouco”.
Ocorreu um fato interessante: Um amigo comunista separou-se da mulher após seis anos de casamento. Comprou uma máquina de costura e deu à ex-esposa, que não sabia costurar. Moral da história: Ela foi devidamente indenizada!
E assim a menina foi aprendendo com o pai, a respeitar os mais velhos, ajudar os irmãos e, principalmente, não separar as pessoas em ricas e pobres. “Somos todos iguais”, ouvia sempre de seu guru.
O menino, por sua vez, aprendeu conceitos militares rígidos, de hierarquia, respeito, irmandade e a pátria acima de tudo.
Foi uma mistura interessante, que deu certo. Voltaram à terra natal, após vários anos de casados, já com os filhos devidamente orientados. Alagoas sempre foi um Estado complicado, político, cheio de preconceitos. Com a Constituição de 1989, o povo passou a ter vez e voz; a jovem então se tornou sindicalista.
A luta foi grande, pois os dirigentes não aceitavam a opinião dos oprimidos. Ameaças de morte, rebaixamento de cargo e salário, corte de verbas pra os sindicatos. A Justiça pendia sempre para o lado dos gestores e, dificilmente, beneficiava os funcionários. Quando uma causa era ganha, havia dificuldade de corrigir o erro. Receber o que foi retirado era impossível!
Os anos foram passando, os dirigentes ficando sabidos e os oprimidos sofrendo mais e mais. Na área política, então, a opressão era bem maior.
E a menina de nove anos tornou-se a “Velhinha das Alagoas”, agora com oitenta. As forças vão diminuindo, a voz fica rouca, as pernas trôpegas. Como Deus é brasileiro, ainda lhe restam a caneta e a mídia.
O menino tornou-se um Oficial da Reserva, cheio de cursos, muito católico, respeitado pelos filhos, família e amigos.
Chegou o inverno da vida, precisando ser vivido com dignidade. Caixinhas de remédios, corridas para o hospital, sustos noturnos. Mas os filhos continuam firmes ao lado do casal.
É preciso agora rezar por dias melhores, confiar nos médicos. Ouvir os amigos, dormir juntinhos, pedindo a Deus que os leve juntos.
Ele existe! Não duvidem!
Alari Romariz Torres
É aposentada da Assembleia Legislativa