Apreensão domina na pequena cidade amazônica, afetada pela violência da região; prefeito diz temer falar sobre o que ocorre “fora do município”
Impactada pelo desaparecimento de Bruno Pereira e Dom Phillips, que completa hoje uma semana sem solução, Atalaia do Norte (AM) tenta entender os motivos em meio a perspectivas cada vez mais sombrias, à medida em que o tempo passa, sobre o destino do indigenista da Funai e do jornalista inglês.
Nas conversas com moradores nas ruas da cidade, medo e preocupação prevalecem, já que poucos agora acreditam num acidente e muitos mencionam as constantes ameaças contra servidores da Funai e indígenas a partir da fiscalização sobre caçadores e pescadores ilegais que invadem a Terra Indígena Vale do Javari, cujo limite fica a cerca de três horas de barco de Atalaia.
Tudo acontece apenas seis meses depois que, do outro lado do rio Javari, em Puerto Amelia, um posto da polícia do Peru foi atacado a tiros por supostos 20 “delinquentes”, segundo a polícia peruana. Eles roubaram oito fuzis, uma metralhadora e 3 mil cartuchos de bala. Os tiros foram ouvidos por moradores de Atalaia. Em fevereiro, policiais militares espancaram moradores e usaram balas de borracha durante um grande tumulto na principal praça de Atalaia.
Neste domingo (12) completa um ano da chacina de Tabatinga , em que sete pessoas foram mortas pela PM, que invadiu casas e aterrorizou os moradores em retaliação ao assassinato de um sargento da PM. De 2008 a 2019, houve pelo menos seis ataques a tiros na base da Funai no rio Ituí (que deságua no Javari em Atalaia do Norte).
O prefeito do município, Denis Linder Roges de Paiva (União Brasil), 47, considera muito seguro caminhar pelas ruas de Atalaia, diz que o município tem baixos índices de violência e reclama de cobertura “da mídia” sobre os desaparecimentos, que estaria fazendo Atalaia parecer um antro de narcotraficantes, o que ele nega com veemência. Por outro lado, admite ter receio quando se refere à região abaixo do Rio Solimões.
O prefeito de Atalaia do Norte, Denis Paiva (União Brasil): “não se importam se amanhã quem desaparecer for o prefeito”
“Se é [passagem de droga], aqui não fica. Se passa por aqui, tudo é lá para baixo [Benjamin Constant, Tabatinga]. O que se passou por aqui – já denunciei – tudo é lá para baixo. Aí coloca, ‘prefeito, mas você conhece, você sabe?’ Hoje eu estou falando essas coisas, mas hoje é o Bruno, com o Dom Phillips, amanhã vai ser o Denis, prefeito de Atalaia, e se outro que estiver se expondo da mesma forma, vai ser… Aqui em si [na cidade] não tem esse cuidado para se preocupar, mas você pega uma estrada aqui, a gente vai pelo rio, a gente vai para Tabatinga… E aí quem que vai cuidar da gente? Então essa é a preocupação nossa. Ontem falei isso para o jornal, falei de novo anteontem. Mas eles querem que o cara diga, não estão se importando se amanhã quem vai desaparecer vai ser o prefeito, ou a família dele, ou outra pessoa que está se expondo dessa forma.”
Moradores salientam o conflito entre pescadores e caçadores ilegais e os servidores públicos do governo cuja missão é refrear as invasões e roubo do patrimônio da Terra Indígena Javari e defender os grupos indígenas em isolamento voluntário. A TI Javari é considerada a porção com a maior quantidade de grupos isolados no planeta. A aproximação desses invasores a um grupo de isolados pode representar a extinção dos indígenas, pois uma simples gripe, no organismo de um isolado, pode evoluir rapidamente para uma pneumonia fatal.
A polícia tem como um dos principais suspeitos dos desaparecimentos de Pereira e Dom o pescador e caçador Amarildo Oliveira, conhecido como “Pelado”, que está preso por porte ilegal de munição. Ele foi visto por uma testemunha saindo com seu barco logo depois da passagem da embarcação conduzida por Bruno Pereira na manhã do domingo (6).
Fonte: apublica