Aprendi já na maturidade, que devemos viver um dia de cada vez. Com a pandemia, ficou mais clara tal afirmativa.
Quando acordo, agradeço a Deus por estar viva e vou planejando meu dia. De repente, tudo muda; algo de novo acontece e nada ocorre como estava pensando.
Nunca imaginei que fosse me afastar de alguns amigos, com quem sempre contei na alegria e na tristeza. Mas, levei uma cacetada e fugiram algumas pessoas próximas a mim. O que fazer? Como administrar tanta amargura? Só Deus me ensinará!
Fui à Missa de Santo Amaro até o dia 14 de janeiro, esperando encontrar uma saída. As leituras da Bíblia eram, em sua maioria, sobre perdoar e a leveza do coração. Não consegui me encaixar nas leituras. Estou com o coração doído e com dificuldade de perdoar. De súbito, minha vida se complica e nem posso ouvir as lições de Santo Amaro. O bom velhinho não mexeu comigo; meu coração está duro como pedra!
Amigos telefonam, outros me visitam. Converso com todos eles: choro, sorrio, brinco com alguns, contudo, estou diferente. Para meu consolo, as duas filhas e alguns netos estão cuidando de mim, tentando aliviar minha dor. Procuro parecer forte, não consigo chorar. E digo a mim mesma: Resista, segure na mão de Deus, resolva seus problemas. Está sendo testada!
E retorno para o “vivamos só por hoje”. Amanhã será um novo dia e a vida voltará ao normal. Rezo, mas não me lamento.
Morreu a Lya Luft. Mulher forte que analisou as perdas e ganhos da vida com sublime maestria. De repente, veio um câncer e a levou para o céu. Era mais velha do que eu. Estou na fila, pensei!
Alguns oitentões da turma de meu marido faleceram recentemente. Pessoas queridas, com as quais convivemos muito. Sentimos bastante, mas sabemos que a vida tem prazo de duração.
Viramos filhos de nossos filhos. Vivem preocupados conosco e têm razão. Apesar de estarmos lúcidos, as forças vão ficando fracas, o coração um tanto esquecido dá um aviso e assusta bastante. As taxas precisam ser verificadas com frequência; há médicos para tudo, remédios muitos e a vida vira uma novela. O próximo capítulo será amanhã.
Todo dia, ou quase todo dia, morre um amigo da nossa idade. É o preço de quem vive muito. O telefone não para, a internet traz bem forte a palavra luto, sinal de que alguém foi embora. Em meio a tudo isso, uma pessoa mais nova se despede de nós.
Entretanto, a vida continua e vamos eu e meu marido caminhando um dia de cada vez, aceitando as surpresas benignas e malignas da vida. Como viver sem o auxílio de filhos e netos?
Convivo com idosos no nosso Sindicato e escuto “causos” interessantes. Eles me servem de lição, me amadurecem, me assustam, levando-me a aprender a viver em moldes diferentes da nova sociedade.
Deus está me dando forças, para entender que um dia eu e meu marido vamos viver longe um do outro. Fiquei sem ele três dias e parecia que algo me faltava. Não dormi bem, não comi bem. Pela manhã, pensava: Hoje é um novo dia, tudo vai melhorar. Minhas forças voltarão, serei uma mulher corajosa. Deus é pai!
Com a ajuda de filhos e netos, fui vivendo, conversando, esperando por dias melhores. E eles estão chegando!
Sinto que algumas pessoas ainda precisam aprender a conviver com idosos. O que mais me irrita é o tal do “carãozinho” disfarçado num comentário desairoso. Vez em quando ouço certas frases desagradáveis e reajo com veemência.
Surge outro dia e vamos administrando os acontecimentos com sabedoria. O bom disso tudo é a lucidez. Cabeça boa, memória tranquila e nada de esquecimento. Os empregados lidam com os velhinhos pensando que somos crianças. Nada disso. Tudo corre bem durante aquele dia.
Quando um adoece, muda o roteiro da casa. É Deus puxando os cordões e avisando: Cuidem-se, tomem seus remédios, evitem aborrecimentos, curtam o sol, a lua e aparecem os verdadeiros amigos. Amanhã será outro dia.
Vivamos só por hoje!
Alari Romariz Torres
É aposentada da Assembleia Legislativa