Um menino pobre, loiro de olhos verdes, nasceu em Penedo, filho de um poeta e de uma dona de casa. Perdeu o pai aos nove meses e foi criado por três irmãs: a mãe e duas tias.
Teve uma infância simples, estudou de favor no colégio particular do velho senhor Bembém. Sofreu humilhações do professor e logo cedo virou alfaiate.
Muitas vezes na cidade, encontrávamos uma senhora que o cumprimentava alegremente e ele, com um sorriso amarelo, dizia para nós; “Trabalhei na oficina do marido dela e ela sempre me tratava muito mal”.
Mas, ele amadureceu, estudando por conta própria. Casou-se com uma morena bonita, filha única de um comerciante. Passou num concurso estadual e veio morar em Maceió, trabalhando no fisco estadual. Começou a ter filhos, a família crescendo, é aprovado num concurso do IAPI, virou funcionário federal.
Nunca deixou de ser alfaiate e ajudar aos penedenses que queriam trabalhar na capital. Nossa casa era cheia de amigos que tentavam a vida aqui.
Em 1949, houve uma catástrofe na Entrada do Poço. As chuvas torrenciais derrubaram barreiras e perdemos uma casa, que ele, meu pai, estava comprando naquele local.
Em 1950 comprou um terreno na Av. Fernandes Lima e nos levou para o bairro do Farol. Era um dos melhores da cidade e lá convivíamos com vizinhos famosos: políticos, médicos, empresários, advogados, usineiros. Meu pai era um dos poucos da classe média.
Teve oito filhos: quatro homens e quatro mulheres. Sempre nos ensinou lições de respeito, honestidade e a lei da boa vizinhança. Ainda hoje cultivamos amigos daquela época.
Proporcionou aos oito filhos uma vida saudável, numa casa cheia de amigos, com jogos de voleibol, futebol e campeonatos de jogos de botões. Nas férias, organizava os torneios para que não incomodássemos os vizinhos.
Como Fiscal do IAPI conseguiu ajudar muita gente humilde, que desconhecia seus direitos. Lembro-me de um senhor que pedia esmola nas ruas. Apareceu uma lei facilitando a aposentadoria dos mendigos. Solicitou os documentos do pedinte, pesquisou a lei e conseguiu a pensão do Sr. Izaías. Morreu agradecido ao Sr. João Romariz.
Os filhos mais velhos estudaram em colégios públicos, mas, a partir do quarto filho teve a chance de colocar os adolescentes em escolas particulares.
Nunca negou a nenhum de nós algo que fosse preciso para melhorar os estudos. Tinha um escritório de contabilidade para aumentar a renda mensal, a medida que a família crescia.
Bem menina ainda, lembro-me de ver a mesa de nossa sala cheia de alunos estudando para concurso. Ele era o professor e nada cobrava de ninguém.
Quando vou ao Rio, encontro-me com uma ex-aluna dele, que foi Diretora de Departamento do INSS. Essa criatura me ajudou a implantar a pensão de meu pai para uma irmã mais nova. Lições de vida!
Determinada parenta perguntou-me se meu pai não tinha defeitos. Parei, pensei e respondi: Devia ter, mas não os encontrei.
Foi casado durante muitos anos com minha mãe, Salvelina e tratava-a como uma princesa. Nunca trabalhou fora, teve várias empregadas e era a rainha do lar. Tudo fazia para agradá-la e quando reclamávamos de algo, ele dizia: “Ela não tem razão, mas tenha calma”.
Seu escritório, dia de sábado, era cheio de amigos pobres, que para a feira semanal precisavam de auxílio. Minha mãe se irritava com tanta caridade, mas ele nunca parou de ajudar o próximo.
Ele se dizia ateu, mas era um bom homem, lutava pela família. Fez o possível e o impossível por filhos e netos. Todos gostavam dele e acho que sua religião era praticar o bem.
Morreu aos 67 anos e minha mãe sobreviveu por dois anos; foi ao encontro dele aos 60 anos.
Ficamos órfãos de pais. Tentei unir a família, repassando as lições do Velho João Romariz. Não consegui. Falhei. Ficaram as lembranças.
Alari Romariz Torres
É aposentada da Assembleia Legislativa